Música: Alegria, Alegria (Caetano Veloso)
- historicidadeufsb
- 3 de mar. de 2017
- 3 min de leitura
ALEGRIA, ALEGRIA
Caetano Veloso
Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou
O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou
Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou
Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não
Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento
Eu vou
Eu tomo uma Coca-Cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou
Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil
Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou
Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou
Por que não, por que não?
Composição: Caetano Veloso
A música “Alegria, Alegria” é um dos marcos iniciais do movimento tropicalista, criada em 1967 e apresentada no Festival da Record. A música reflete em sua letra a repressão do período militar no Brasil, utilizando de metáforas para falar sobre o período em uma época onde todas as manifestações artísticas eram censuradas.
Inicialmente, o verso “caminhando contra o vento” transmite a ideia de que o Eu Lírico está indo contra aquilo que lhe é imposto naquela época, indo contra a ditadura, contra o capitalismo. Contudo, ir contra o vento também pode ter o significado de ir contra aquilo que todos estão fazendo, ou seja, fugir de tudo aquilo que remetia a Ditadura Militar, como as imposições de ideais, sejam contra ou a favor. O verso “sem lenço e sem documento” pode transmitir a ideia de liberdade, até mesmo com relação ao uso de drogas através de suas iniciais (sLSD).
O “Sol” presente na segunda e na terceira estrofe diz respeito ao jornal socialista criado em setembro de 1967, onde circulavam várias notícias, incluindo as que tratavam dos movimentos sociais (guerrilhas). Nessa estrofe observa-se uma crítica à cultura importada e alienante, através de Brigitte Bardot (atriz francesa, símbolo sexual dos anos 50 e 60), Cardinales (Claudia Cardinale- atriz italiana de sucesso da época) e Coca-Cola (maior símbolo do império norte-americano que financiava os exércitos em toda a América Latina).
Na quarta estrofe, o Eu lírico mostra a sua opinião a respeito do jornal, onde demonstra preguiça e acomodação com tudo aquilo que alí é exposto e, nos versos da quinta estrofe critica a utopia da sociedade perfeita que os ideais socialistas pregavam naquela época, através de um amor pela pátria que, apesar de possuir boa intenção, não valia muito.
Nas estrofes seguintes, pode-se notar fatores que indicam que o eu lírico não tinha uma posição concreta com relação à ditadura, uma vez que os versos remetem à falta de compromisso (através da metáfora “Ela pensa em casamento/ E eu nunca mais fui à escola/ Sem lenço e sem documento/ Eu vou/ Eu tomo uma Coca-Cola/ Ela pensa em casamento/ E uma canção me consola/ Eu vou.”).
Na oitava estrofe o Eu lírico se posiciona contra o jornal (através da metáfora “sem livros”) e ao mesmo tempo contra o regime militar (“sem fuzil”), completando que vai par um lugar mais calmo, longe de toda essa confusão, vai para o coração do Brasil (Bahia). Essa estrofe também pode ser interpretada de forma diferente: ao dizer “sem livros”, Caetano Veloso critica a precariedade da educação brasileira, já que a ditadura censurava os livros “inadequados”, ou seja, todos aqueles que contrariavam os ideais pregados pela ditadura.
Por fim, o Eu Lírico diz o motivo de não incluir-se no socialismo ou na ditadura militar: a preservação de sua vida, não estando preparado para dar a vida por nenhum ideal pregado. Essa música, portanto, retrata, criticamente, o período mais conturbado da vida social e política do Brasil no século XX.
FONTE:
Análise da letra musical de “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso. Resenhando, por Mary Ellen F. dos Santos, jan. 2015. Disponível em: <http://www.resenhando.com/2015/01/analise-da-letra-musical-de-alegria.html>. Acesso em: 20 fev. 2017
O “Sol” em “Alegria, alegria” – Parte I. Interpretação Pessoal, por Thamirys Pereira. Disponível em: <http://interpretacaopessoal.blogspot.com.br/2011/10/o-sol-em-alegria-alegria-parte-i.html>. Acesso em: 20 fev. 217
O “Sol” em “Alegria, alegria” – Parte II. Interpretação Pessoal, por Thamirys Pereira. Disponível em:<http://interpretacaopessoal.blogspot.com.br/2011/10/o-sol-em-alegria-alegria-parte-ii.html#more>. Acesso em: 20 fev. 2017
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